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terça-feira, 7 de maio de 2013

“Comecei a perder a visão quando era criança”: Entrevista com a atriz Danieli Haloten


Atriz Danieli Haloten e seu cão-guiaA entrevistada pelo Blog Deficiente Ciente é a curitibana Danieli Haloten. Haloten tornou-se a primeira atriz cega do mundo a atuar em uma novela, interpretando Anita em “Caras & Bocas” da Rede Globo, escrita por Walcyr Carrasco e dirigida por Jorge Fernando.  Ela está prestes a lançar seu livro “Uma viagem no escuro”. Acompanhe a entrevista:
Por Vera Garcia
Deficiente Ciente: Como você lidou com o fato de ter ficado cega aos 20 anos?
Danieli Haloten: Comecei a perder a visão quando era criança. Então, foi um processo gradativo. Cada dia, um aprendizado, uma adaptação diferente. E é como tudo na vida. À medida que vão aparecendo as necessidades, as demandas, nós vamos aprendendo coisas novas e nos adaptando, como o surgimento de novas tecnologias, por exemplo. Isso foi muito importante para mim como um todo, pois adquiri uma capacidade muito solicitada no mercado: a resiliência, que é, entre outras coisas, a capacidade de se adaptar rapidamente a diferentes situações e enfrentar com maior facilidade situações adversas.
D.C.: Qual foi a reação de sua família?
D.H.:  Como nasci com Glaucoma, meus pais fizeram de tudo para eu não perder a visão. E quando isso não foi mais possível, me ajudaram a buscar mecanismos para me adaptar à nova realidade como me levar a aulas de Braille e de Orientação e Mobilidade. E, como falo em minhas palestras de inclusão, depois de a pessoa com deficiência começar sua adaptação, ela começa a inserir seus familiares e amigos, ajudando a todos a se adaptar à nova realidade. É uma via de mão dupla. Não adianta somente a pessoa com deficiência se adaptar, a sociedade e principalmente as pessoas mais próximas tem que aceitar a nova realidade e se adaptarem também.
D.C.: Você estudou em escola regular ou especial? Caso tenha sido em escola regular, você se sentiu incluída? Como os professores lidavam com sua deficiência?
D.H.: Sempre estudei em escola regular e particular, desde os 3 anos de idade. A não ser na sexta série, onde estudei em escola pública, mas também regular. Como a perda da visão foi gradativa, cada época escolar foi diferente. Aos 3 anos de idade, eu enxergava razoavelmente bem. Só não enxergava à distância e usava óculos escuros, por causa da claridade, o que era motivo de piada ou rejeição pela minoria dos alunos. Mas como eu estava sempre entre os melhores alunos, não tinha problema com os estudos nem com a aprendizagem. Inclusive, aprendi a ler sozinha com uma cartilha que ganhei de minha tia, antes dos seis anos de idade.
Eu enxergava a letra das apostilas. Só não enxergava da minha carteira o que estava escrito no quadro negro. Então, os professores tinham que verbalizar o que escreviam no quadro, alguns preferiam copiar no meu caderno, mas até então, não tinha problema, a não ser a rejeição dos colegas.
Os problemas começaram quando comecei a perder o que eu tinha de visão, já na segunda série do fundamental. Um dia, eu não enxergava mais as letras da apostila, outro, não enxergava mais escrita à lápis, outro dia, à caneta, até que, por volta da sétima série, o pincel atômico não foi mais suficiente, e tive que substituir a escrita à tinta pelo Braille. Essa mudança foi gradativa, pois o aprendizado do Braille não é fácil. E também não era fácil encontrar material em Braille. Por mais que explicássemos aos diretores da escola que precisavam entregar as apostilas com antecedência para serem transcritas para o Braille, eles as entregavam ao mesmo tempo em que os demais alunos as recebiam. Só então a instituição para cegos podia começar a confeccionar o material e eu sempre recebia as apostilas em Braille atrasado.
Tirando esse detalhe, e o fato de eu sempre me sentir excluída entre os colegas de turma, apesar de as escolas não estarem preparadas para receber alunos com deficiência, não me sentia excluída. A cada início de ano, conversava com os professores e a grande maioria deles não via problema algum em dar aula para mim. Alguns até se superavam: Como uma professora de desenho geométrico que fazia as figuras com palitos de sorvete e outros materiais em relevo para eu entender a matéria. Por incrível que pareça, a maior dificuldade que enfrentei foi na faculdade de Jornalismo. Para começar, ao terminarmos o ensino médio, as instituições para cegos não nos atendem mais. E mesmo tendo a possibilidade de termos material em formato digital com a tecnologia, era praticamente impossível convencer os professores a disponibilizarem material para nós nesse formato. Ainda no primeiro ano de Jornalismo, todos os colegas da turma e eu lutamos e conseguimos que a PUCPR comprasse equipamentos de informática para cegos e uma impressora Braille. Mas como os professores não passavam o material em formato digital e não havia ninguém para fazer esse trabalho no laboratório de informática, pouco adiantou.
D.C.; Em algum momento da sua vida, você sentiu que sofreu algum tipo de preconceito ou discriminação?
D.H.: Dizer que nunca senti nem enfrentei preconceito ou discriminação seria mentira; A questão é como lido com isso. Se o preconceito é alheio, então não é problema meu. Sigo minha vida normalmente, sem me preocupar com o preconceito alheio. Pois o que me faz seguir em frente e alcançar meus objetivos não é o que os outros pensam ou como os outros agem. É o que eu penso e como eu ajo. E penso que posso, consigo e faço e luto pelo que quero.
D.C.: No ano de 2.000 você ficou um mês em Nova York treinando seu 1º cão-guia. Como é relacionar-se com um cão-guia?
D.H.: A relação com o cão guia é maravilhosamente inexplicável. Especialmente para quem gosta de animais como eu. Além de ele me guiar com cuidado, independência e segurança, a relação de amizade é tão forte que ele acaba se tornando literalmente uma extensão do meu corpo. Não imagino minha vida sem cão-guia.
D.C.: Você esteve em Brasília, em 2006, para discutir a lei federal do cão-guia, sancionada no mesmo ano. Como se sentiu após essa conquista?
D.H.: Comecei essa luta em Curitiba, com lei municipal e estadual. A conquista da lei federal do cão- guia foi muito importante não só para o acesso dos usuários de cão-guia, mas também para provar que com a união podemos conquistar os direitos das minorias, tendo em vista que, mesmo entre os deficientes visuais, os usuários de cães guia são a esmagadora minoria no Brasil. ‘Normalmente, os deficientes visuais são desunidos no Brasil. Mas quando se trata de cão-guia, os usuários são bastante solidários e unidos.
D.C.: Por que escolheu jornalismo?
D.H.: Sempre gostei de escrever. Ainda no ensino médio, escrevia no jornal do colégio. Desde criança, eu queria trabalhar com televisão. E vi no Jornalismo uma porta de entrada para conquistar meu objetivo. Acabei tomando muito gosto pela profissão de jornalista.
D.C.: Já exerceu essa profissão?
D.H.: Trabalhei em rádio, jornal e televisão. Desde 1998, trabalho com assessoria de imprensa. Já tive um programa próprio de TV; fiz o “Profissão repórter“ com Caco Barcellos na Globo e escrevo no meu blog desde 2009.
À esquerda, Daniele Haloten com Jorge Fernando; à direita, a atriz com Wagner Santisteban, seu par romântico na novela “Caras e Bocas”. (Revista Quem)
À esquerda, Daniele Haloten com Jorge Fernando; à direita, a atriz com Wagner Santisteban, seu par romântico na novela “Caras e Bocas”. (Revista Quem)
D.C.: Você fez um belíssimo trabalho como atriz na novela “Caras & Bocas” da Rede Globo. Por que escolheu ser atriz?
D.H.: Nasci querendo ser atriz. Não sei o porquê. Só sei que desde criança, eu queria participar de todas as peças da escola e transformar todos os trabalhos que as professoras mandavam fazer  em apresentações teatrais. É paixão.
D.C.: Como você fez para decorar os textos da novela?
D.H.: Eu lia os capítulos no computador, com um leitor de tela, e decorava minhas cenas com os textos em Braille.
D.C.: Você postou um vídeo no You Tube criticando a desigualdade enfrentada pelos deficientes em concurso público. Conte-nos um pouco sobre isso.
D.H.: Muitos leigos pensam que a reserva de vagas para pessoas com deficiência é garantia de vagas para pessoas com deficiência, digamos graves como a minha. Mas está longe de ser verdade.
1: Quem tem direito a essa reserva de vagas não são somente pessoas com deficiência aparentes como eu. Mas também aquelas que não tem deficiência aparente, não tão grave e que no dia-a-dia, não enfrentam as mesmas dificuldades para conseguir um emprego;
2: Para ser aprovado em um concurso, mesmo com a reserva de vagas, as pessoas com deficiência tem que atender os mesmos pré-requisitos como mínimo de escore. Assim, a vaga não é garantida, como muitos pensam;
3: No caso dos deficientes visuais, com exceção das leis, que estão disponíveis na internet, não se consegue quase nenhum material para estudar em Braille ou formato digital. Pois, as editoras não costumam vender material nesses formatos. Assim, deficientes visuais como eu não conseguem se preparar adequadamente para as provas;
4: Para profissões de nível superior, como a de jornalista, por exemplo, normalmente, só há uma vaga. Assim, não se aplica a reserva de vagas;
5: E para fechar com chave de ouro essa desigualdade, muitas vezes, as empresas contratadas para organizar concurso público recusam-se a oferecer as condições adequadas para os candidatos com deficiência fazerem a prova, como prova Braille, por exemplo. E temos que nos estressar brigando por um direito já adquirido por lei que muitas vezes, nos é negado.
Por todos esses motivos, a reserva de vagas, tanto no setor público quanto privado, não funciona de fato para quem realmente necessita, principalmente para quem tem qualificação em nível superior e deseja atuar em uma área específica.
D.C.: Atualmente você está participando da peça de teatro “A farsa do Bom Marido”, na cidade de Curitiba. Na peça, você interpreta uma gaúcha que enxerga. Como está sendo essa experiência?
D.H.: Foi uma experiência maravilhosa voltar aos palcos. Amo atuar. Principalmente quando meus personagens enxergam.
D.C.: Atualmente em qual (ais) projeto(s) está envolvida?
D.H.: Estou prestes a lançar meu livro “Uma Viagem no Escuro”,  já a venda no meu sitewww.danielihaloten.com.br, em formato digital, onde conto a história de uma viagem que fiz ao Canadá e continuo ministrando palestras de motivação e inclusão pelo Brasil.
D.C.: Quais são seus planos para o futuro?
Continuar ministrando palestras e divulgar meu livro.
D.C.: Deixe uma mensagem aos leitores do Blog Deficiente Ciente.
D.H.: Querer, poder e conseguir.

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